Anuncios!

sexta-feira, 11 de maio de 2012

:: A "nova" Monalisa - La Bella Principessa ::

Bianca Sforza atraiu poucos olhares quando foi apresentada ao mundo da arte em 30 de janeiro de 1998. Naquela ocasião, ela não passava de um rosto bonito e emoldurado para os participantes de um leilão na Christie’s de Nova York. Ninguém sabia o seu nome, tampouco o do artista que fizera o retrato. No catálogo, a obra – um desenho colorido a crayon e nanquim sobre pergaminho – constava como sendo do início do século 19 e originária da Alemanha, com estilo inspirado na Renascença. Por fim foi arrematada por uma galerista nova-iorquina, Kate Ganz, por 21 850 dólares.

Dez anos depois, o quadro seguia à venda por preço similar quando foi comprado por um colecionador canadense, Peter Silverman, que já desconfiava da origem renascentista. A própria Kate havia mencionado Da Vinci, esse nome mágico, como uma influência sobre o autor. Silverman foi além: e se o desenho fosse do próprio Leonardo?

Que alguém pudesse entrar em uma galeria e comprar um desenho que depois se revelaria uma obra-prima secreta do genial Da Vinci, valendo talvez 100 milhões de dólares, soa como lenda urbana. Na época em que Silverman adquiriu o desenho, mais de 75 anos tinham se passado desde a última autenticação de uma obra do italiano. E não havia registro de que o criador de Mona Lisa tivesse alguma vez usado pergaminho como suporte. Além disso, se era de fato um Da Vinci autêntico, onde ficara escondido durante 500 anos?



Silverman decidiu então enviar, por e-mail, uma imagem digital de Bianca a Martin Kemp. Professor aposentado de história da arte na Universidade de Oxford e renomado especialista em Leonardo da Vinci, Kemp costuma receber imagens assim, às vezes duas por semana, de gente que ele chama de “malucos por Da Vinci”, convencidos de que descobriram uma nova obra. “Meu reflexo é dizer que não tem nada a ver”, conta. Porém, a “estranha vitalidade” do rosto da jovem despertou nele a vontade de examiná-lo de perto. Para tanto, voou até Zurique – Silverman havia guardado a obra no cofre de um banco. Medindo 33 por 23,9 centímetros, o desenho é um pouco maior que uma folha de papel ofício. “Quando o vi”, diz Kemp, “senti um arrepio, uma sensação de que estava diante de algo anormal.”

Esse arrepio levou Kemp a iniciar uma investigação, que contou com a ajuda das imagens multiespectrais de alta resolução obtidas por Pascal Cotte, da empresa Lumiere Technology, de Paris, as quais permitiram o estudo do desenho, camada por camada, desde os esboços até as restaurações posteriores. Kemp encontrou diversos indícios da mão de Leonardo – o modo como os fios de cabelo eram agrupados sob a malha que os mantinha presos, a requintada modulação das cores, as linhas precisas. As áreas sombreadas mostravam gestos característicos de um artista canhoto, tal como Da Vinci. A expressão da jovem, aprumada mas pensativa, com o olhar de alguém que está amadurecendo rápido demais, transmitia um princípio importante para o mestre renascentista: o de que um retrato deve exprimir “a inteligência em movimento”.



Kemp também precisava comprovar que o retrato havia sido feito no mesmo período em que viveu Leonardo da Vinci (1452–1519), e que os detalhes históricos se adequavam à biografia do artista. O pergaminho, provavelmente de pele de bezerro, havia sido datado entre 1440 e 1650. Os detalhes da roupa do modelo o situavam na corte de Milão durante a década de 1490, quando virou moda o cabelo preso de maneira elaborada. Da Vinci morou em Milão nessa época, quando aceitou encomendas para retratar membros da corte. Marcas de costura na borda do retrato sugeriam que havia sido parte de um livro, talvez uma espécie de álbum de um casamento régio.

Kemp acabou chegando a um nome, o de Bianca Sforza. Filha ilegítima do duque de Milão, ela casou-se, em 1496, com Galeazzo Sanseverino, comandante das tropas do ducado e um dos patronos do artista. Bianca estava com 13 ou 14 anos na época em que foi retratada. Morreria alguns meses depois, de uma gravidez ectópica, um destino nada incomum entre as jovens noivas da nobreza. Kemp deu ao desenho o título de La Bella Principessa, a bela princesa.

Em 2010, Kemp e Pascal Cotte publicaram um livro com as suas conclusões, que foram criticadas por vários estudiosos – um deles, por exemplo, considerou a imagem “adocicada” demais. Também causou estranheza o súbito, e quase milagroso, aparecimento do retrato. De onde ele saíra? Kemp não tinha a menor ideia. Mas aí, quase como uma intervenção divina, chegou uma mensagem de D.R. Edward Wright, professor aposentado de história da arte da Universidade do Sul da Flórida. Wright sugeriu a Kemp, a quem não conhecia, que a resposta talvez estivesse na Biblioteca Nacional da Polônia, em Varsóvia, em um livro intitulado Sforziada. Wright descreveu o livro como um luxuoso volume comemorativo do casamento de Bianca Sforza, uma ocasião adequada para um retrato.

Graças a uma bolsa da National Geographic Society, Kemp e Cotte foram até Varsóvia. As fotos feitas por Cotte revelaram que um fólio fora retirado da Sforziada no local exato em que caberia um retrato. Ao tentarem inserir uma cópia do retrato de Bianca, ela se encaixou perfeitamente. Para Kemp, não havia mais dúvida: “La Bella Principessa era um desenho único feito por Leonardo da Vinci que fora incorporado a um livro e ficara guardado em uma estante”.

De acordo com Wright, o volume chegou à Polônia no começo do século 16, quando um Sforza se casou com um membro da realeza polonesa. A página com o desenho havia sido cortada, possivelmente na época em que o livro fora reencadernado, no século 17 ou 18. A partir daí perde-se a pista. Só o que se sabe é que, em algum momento, o desenho foi adquirido por um restaurador de arte italiano, cuja viúva o colocou à venda em 1998, na Christie’s.

Estamos hoje vivendo uma época cheia de surpresas no que se refere a obras perdidas de Leonardo da Vinci. Em novembro do ano passado, a National Gallery, em Londres, expôs o quadro Salvator Mundi, no qual Da Vinci pintou Jesus Cristo segurando um globo terrestre – igualmente uma obra perdida durante séculos. Em Florença, também com patrocínio da NGS, pesquisadores em busca da Batalha de Anghiari, uma obra de Da Vinci vista pela última vez em meados do século 16, utilizam um endoscópio para saber se a pintura está oculta atrás de uma parede no Palazzo Vecchio.

A autenticação de uma obra de arte de séculos quase nunca é um processo objetivo e sem percalços. Vaidades, gostos pessoais e o temor a disputas jurídicas confundem a apreciação da obra. Kemp enviou suas conclusões a diversos especialistas, mas quase todos se recusaram a fazer comentários, mesmo para esta reportagem. A concordância “vai levar tempo”, admite Kemp, “mas confio em minhas conclusões”. Uma coisa é inegável. No dia em que o retrato de Bianca Sforza for pendurado em um museu como um legítimo Da Vinci, todos os olhares vão se extasiar com o seu rosto.




Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

Nenhum comentário:

Postar um comentário